30 de dez. de 2010

Entrevista de Oswaldo Mendes à About.

About - Quais eram as principais oportunidades e desafios quando você montou a agência, há quase meio século, e quais lhe parecem ser as de hoje, para aqueles que decidem empreender a mesma seara?

Mendes - A principal oportunidade era o próprio mercado, praticamente virgem. E esse era o nosso grande desafio.
Já contei essa história: em 1961, a J. Walter Thompson, a maior agência em funcionamento no Brasil, estudava abrir algumas filiais no País e encomendou um estudo sobre os mercados, um deles o Pará. O estudo concluiu desaconselhando a abertura dessa filial, por falta de mercado.
Nós não sabíamos desse estudo e estávamos abrindo a Mendes no mesmo ano. A Thompson tinha um cliente que exigia a sua presença no Pará, Pepsi-Cola, o que levou o seu presidente, Renato Castelo Branco, a visitar a cidade e conhecer a Mendes. Fez um acordo operacional conosco e me revelou a história da pesquisa.
A Mendes era tão inviável em 61 quanto a Inglaterra 20 anos antes, fustigada pela Alemanha prestes a invadi-la. Foi o tema de um anúncio da Thompson homenageando a Mendes.
Eu costumo dizer que nós reinventamos uma desprestigiada lei econômica segundo a qual a oferta cria a própria procura.


About - Você, inclusive, não “soma” na vida da Mendes a fase anterior, na Santos Mendes, que daria mais cinco anos de existência à agência. Por que esse preciosismo?

Mendes - A Santos-Mendes Publicidade foi a agência antecessora da Mendes, nascida em 1956, uma sociedade minha com Avelino Henrique dos Santos. Dois bacharéis em Direito que nunca advogaram. Eu era jornalista; Avelino, radialista, compositor, pianista. Nós abrimos o caminho para o negócio de agência de propaganda no Norte, fomos os pioneiros. Quando nós nos separamos, em 1961, e eu saí para fazer a Mendes, Avelino continuou com a Santos-Mendes, reduzindo o nome para a sigla SM.
Essa sobrevida da SM explica e justifica por que não somou à nossa a bonita história, os anos, os prêmios, da Santos-Mendes.


About - Quais eram os predicados competitivos essenciais da época inicial, quais permanecem até hoje, quais surgiram e quais não têm mais sentido?

Mendes - Quando tudo começou, tudo era novidade; e nós, verdadeiros catequistas a ensinar o pai-nosso aos cristãos-novos. Nossos primeiros clientes mostravam a existência de uma demanda reprimida. O primeiro deles, ainda no tempo da Santos-Mendes, tinha uma plantação de coco-anão e não tinha mercado, estocava o fruto à espera de um milagre quando leu um release sobre a Agência.
Ele nos procurou, e nós criamos um concurso de reportagem para falar do produto e transformamos a verba em prêmios para os jornalistas vencedores. Sucesso. Nosso cliente vendeu todo o estoque de coco-anão e aproveitou uma bela oferta para se desfazer da sua fazenda de coqueiros. Mas, olha, o mercado era muito melhor que alguém possa imaginar hoje. Começamos com uma companhia de aviação, fábrica de cimento, indústria de refrigerantes, banco, companhia de seguros, entre outros empreendimentos do mesmo porte. O varejo tinha participação mínima no nosso portfólio inicial.


About - O que mudou mais em termos da essência e da instrumentação do negócio da agência nesse meio século?

Mendes - Mudou muito, mudou quase tudo. A Mendes começou no mesmo ano da televisão, ainda a tempo de programar o primeiro comercial que foi ao ar no Pará. Os jornais trabalhavam com clichês, e, como exigimos qualidade em tudo o que fazemos, e isso desde os primeiros dias, nós criamos uma logística para mandar gravá-los no Rio, indo as artes e voltando os clichês via aérea.
Escreveria um tratado sobre a essência que mudou, sobre a instrumentação do negócio de agência, tamanha foi a mudança havida.


About - Pelo que se sabe, nos tempos pioneiros, o problema maior era de escassez de recursos e de opções. Hoje, ao contrário, há abundância de recursos e de alternativas. Como a agência “navegava” antes entre esses obstáculos e como gerencia o excesso de hoje?

Mendes - Na resposta anterior, já citei exemplos da escassez de recursos. Chegamos a montar uma minigráfica para compor os anúncios, cujos clichês eram gravados no Rio. Não sei de outra agência que tivesse um gráfico na sua folha de pagamento.
E o pessoal, numa época que não existiam escolas de comunicação? Improvisamos; um arquiteto virou produtor gráfico. Outros foram importados do eixo Rio-SP; o primeiro diretor de arte, ainda chamado de layoutman, veio ganhando mais do que eu. Mas tivemos a sorte de alguns profissionais que vieram por buscarem lugares mais calmos e outros, como o Tião Bernardi, de passagem para a Índia, via Estados Unidos, que nos propôs trabalhar por um tempo na ida, repetindo a sua temporada na volta.
Hoje, esse é um problema muito bem resolvido. O mercado criou excelentes profissionais, as escolas de comunicação formam turmas de muito bom nível, e trabalhar em publicidade tornou-se um barato, como diz a garotada. Muitos de olho no brilho das carreiras e do faturamento do Washington Olivetto, do Nizan Guanaes e outras estrelas da propaganda.


About - Você tem clientes longevos, da época dos primeiros tempos da agência. Quais são os fundamentos para essa relação tão duradoura?

Mendes - São muitas as razões. Todas com a mesma importância.
A Diretoria da Mendes está na linha de frente do atendimento.
Investimos em conhecimento. Temos a única biblioteca especializada da região, ocupando um piso da nossa sede. Realizamos periodicamente os “Encontros da Mendes” em torno de uma personalidade que tenha o que acrescentar. O último “Encontro” foi com o presidente nacional da OAB, Dr. Ophir Cavalcante Jr.
Contratamos os melhores. Muitos dos nossos profissionais têm pós-graduação, alguns fazem mestrado, outros MBA, alguns ensinam ou ensinaram (comunicação).
A Mendes está sempre em alta, nunca registrou períodos de queda, e a prova disso é a constância dos prêmios de criatividade. Somos uma das agências mais premiadas do País.
Colocamos seriedade em tudo o que fazemos.
Oferecemos mais ao cliente do que ele pede ou espera de nós.
Sempre achamos que podemos fazer melhor que o melhor já feito.
Enfim, nós vestimos a camisa do cliente. Com entusiasmo.


About - Você tem filhos e netos trabalhando na agência, sendo que um dos seus filhos dirige um de seus principais clientes. Como é essa convivência? Como manter a disciplina de trabalho, as boas normas negociais e a harmonia familiar?

Mendes - Nada mais fácil: somos uma família unida. A disciplina de trabalho foi forjada pelo meu exemplo. Aliás, eu nunca exijo além daquilo que eu faço. As relações negociais com a empresa-cliente de meu filho Ronaldo não são diferentes daquelas que praticamos com todos nossos clientes.
Trabalhar com filhos e netos só tem me dado muita alegria. Ter filho cliente também é fonte de grande satisfação.
Oswaldo, Rose e Ronaldo são meus esteios e fontes de inspiração.


About - Como foi sua “formação” profissional na área? Sua primeira atividade profissional foi no jornalismo, com grande sucesso. Depois, estudou direito, gestão pública e RP. Mas sua carreira na área publicitária começou e se desenvolveu na redação e foi se ampliando gradativamente. Você foi “levado” a assumir mais e mais tarefas, por alguma razão prática, ou foi gosto mesmo?

Mendes - Eu comecei redator de publicidade na Mendes e, até hoje, continuo a planejar e criar nossas campanhas. Faço isso com um prazer enorme.
Fazer planejamento é outra atividade que exercito com grande satisfação.
Outras tarefas, se eu as assumi, foi mais por necessidade, mas o fiz pontualmente. Eu tive a sorte de ter sempre um sócio-administrativo-financeiro – antes, o Antonio Diniz, já falecido, e, hoje, o Oswaldo Filho. Eles sempre me deram muita liberdade para tratar do restante, onde se inclui a área de novos negócios.
No fundo do fundão, eu sou o dono do restaurante que sabe cozinhar e não se constrange de servir à mesa, na ausência do cozinheiro e do garçom.


About - De um modo geral, os “clientes” são mais “difíceis” hoje que no passado? Ou não? O que mudou na atitude deles, essencialmente?

Mendes - Não conheço clientes difíceis. Cliente/Agência é uma relação bilateral que exige cumplicidade, olho no olho, confiança mútua, respeito, doação e renúncia, como qualquer sociedade, até a conjugal.
Para mim, sempre foi assim.


About - E a concorrência? Está maior, mais pesada, mais profissional?

Mendes - Como pioneiros, comecei sem concorrentes no tempo da Santos-Mendes. A concorrência, hoje, é outra. Maior e mais profissional.
Pensando no mercado e no seu entorno, criei as primeiras entidades da publicidade paraense – a Apap/Associação Paraense de Agências de Propaganda, que virou o Sindicato do qual fui presidente nos três primeiros mandatos; a ADVB Pará; e o capítulo paraense da ABAP.
E foi também na Mendes que nasceu o Sindicato dos Publicitários, cujo primeiro presidente foi o nosso Paulo Coelho, eleito o Mídia do Ano no único ano em que se realizou aqui esse concurso.


About - No caso dos fornecedores e veículos, o que mudou mais profundamente?

Mendes - No caso de fornecedores, a mudança foi da noite para o dia. Praticamente toda a produção era feita fora, nos tempos heroicos. Os fornecedores foram aparecendo quando começaram a perceber que as Agências paraenses estavam oferecendo, de mão beijada, um novo mercado para eles. Surgiram, cresceram, modernizaram-se. Hoje, fazemos praticamente toda a produção aqui mesmo.
Já disse que a Mendes surgiu no mesmo ano da televisão, o que, por si, basta para ilustrar o desenvolvimento dos veículos.
Temos alguns dos melhores jornais do País em conteúdo e impressão. Quando o Ibope fazia pesquisa de hábito de leitura de jornais nas capitais brasileiras, Belém só perdia para Rio e Porto Alegre, o que traduz a importância dessa mídia no Pará.
Os jornais locais têm investido alto na permanente atualização de seus parques gráficos e, acompanhando a tendência mundial, também têm edições online.
Nos tempos da Santos-Mendes, devido a ausência de qualquer empresa de controle de rádio (antes do advento da televisão), procuramos o presídio São José e, autorizados por sua direção, sem interferir na rotina dos presidiários, criamos um grupo de controladores de rádio. Doamos os aparelhos necessários, treinamos e pagávamos pelo trabalho.


About - Apesar do grande sucesso local da Mendes, ela nunca se estabeleceu em outros mercados. Quais foram as razões que levaram a essa decisão?

Mendes - A Mendes iniciou suas atividades com clientes em Manaus, e, por isso, tivemos ali um escritório, por muito tempo. Além de importantes contas locais, tínhamos contas que requeriam esse atendimento em Manaus, como a da Souza Cruz, então com fábrica em Belém e forte presença no Amazonas. Essa conta foi nossa até que a Souza Cruz fechasse a fábrica de Belém por conta da centralização de sua produção em Minas Gerais.
Fechamos Manaus quando as agências locais começaram a ocupar o seu espaço. Sempre defendemos a tese (ingênua, para muitos) de que a propaganda local deva ser produzida por Agências locais.
Tivemos também escritório no Rio de Janeiro (em certa época, convivendo com a nossa filial de Manaus), porque ali funcionavam as produtoras de som, cinema e televisão, gráficas e outros fornecedores. Nosso escritório era uma base para acompanhar os serviços, o que incluía negociação e logística de transporte. Na época, a falta de mão-de-obra especializada nos obrigava a contratar muito free-lancer, e esse escritório era como um “headhunter” a descobrir e contratar talentos.
Um dos frilas que trabalharam para a Mendes foi o consagrado escritor Orígenes Lessa.
O escritório do Rio também foi muito útil no desenvolvimento da conta da Paraense Transportes Aéreos.
Fechamos esse escritório quando a dependência dos fornecedores do Rio foi se extinguindo na medida em que aumentavam as facilidades de comunicação.
Depois do escritório do Rio, tivemos uma filial em Fortaleza, atendendo apelo de um empresário cearense, quando o Ceará já tinha muitas e boas Agências. Visitei todas elas para anunciar o nosso projeto e estreitar relações.
Ficamos pouco tempo em Fortaleza. Venceu a tese de que a conta local deve ser atendida por Agência local.
Tese que nos levou a somar esforços com outros companheiros de outros estados (Renato Castelo Branco, Caio Domingues, Italo Bianchi, Edgar de Melo, Fernando Carvalho, JD Rodrigues, Carlos Pontes, Eduardo Willrich Neto) e criar a União Brasileira de Agências de Publicidade S.A., a primeira grande rede nacional de Agências.
Nascíamos com agências associadas nos principais mercados brasileiros: São Paulo, Rio, Brasília, Pernambuco, Ceará, Minas, Bahia, Pará, Paraná e Rio Grande do Sul.
Não sei por que não deu certo. Mas estou aberto a retomar novamente o caminho que me parece o melhor para atender os anunciantes com necessidade de atendimento em mais de um mercado.


About - A Mendes sempre foi conhecida por sua solidez empresarial, alta qualidade técnica e elevado padrão criativo – refletido em uma grande quantidade de prêmios recebidos. Como equilibrar esses três aspectos, uma vez que eles nem sempre andam juntos, pelo que se observa no mercado publicitário?

Mendes - Para nós, são três pontos que se ligam, juntam, fundem-se num só, completam-se.
Eles nascem de uma firme convicção e respeito, impõem disciplina e exigem muito, muito trabalho.


About - Apesar do evidente sucesso empresarial, a Mendes veio a contar com uma sede própria apenas recentemente. Por quê? O que mudou para que esse investimento fosse feito?

Mendes - Esta sede que inauguramos em 2009 em verdade é a nossa segunda sede própria.
Nascemos na rua Campos Salles, nos altos de uma corretora de câmbio, e pouco depois mudamos para a rua Santo Antônio, onde ocupamos quase um andar no 11º piso do Edifício Antonio Velho, primeiro alugando as salas, que depois viemos a comprar.
No fim dos anos 70, o quadro era este: a dificuldade para arranjar uma vaga para estacionar perto da nossa sede aumentava a cada dia, e a crise no abastecimento de energia elétrica da cidade afugentava as pessoas dos elevadores; os prédios não tinham geradores próprios, que depois se tornaram hábito pelo menos em nossa cidade. Além disso, a Mendes crescia, exigindo mais espaço.
Foi daí que partimos para a busca de um imóvel, sem tempo para pensar em construir. Queríamos comprar, mas a casa que melhor atendia as nossas exigências não estava à venda. A proprietária justificou as suas razões para não vendê-la e assumiu o compromisso pétreo de não a pedir de volta. Ficássemos tranquilos.
Nessa época, ganhava corpo também a ideia de que as empresas não deviam imobilizar em sedes. Tenho até um amigo que ganhava dinheiro construindo prédios para alugar a grandes empresas.
Por isso, saímos da sede própria para a sede alugada e ali vivemos até 2009, quando mudamos, mais uma vez, para a sede própria. Na mesma rua Benjamin Constant, a uma quadra de distância, mas curiosamente em outro bairro. Saímos de Batista Campos para Nazaré.


About - Quais conselhos você daria a um jovem empreendedor que decidisse entrar e vencer no setor publicitário nos tempos de hoje?

Mendes - Conselho, mesmo, quem dá é Anatole France (escritor): “Para chegar lá, temos que agir, mas também sonhar; planejar, mas também acreditar”.
E Harry Gray, professor do Instituto de Tecnologia da California: “Ninguém consegue realizar grandes coisas se for excessivamente cauteloso”.
Para terminar, um consolo: “O trabalho é mais divertido que a diversão”, segundo Noel Coward, citado por Andy Law em seu livro “Empresa criativa”.


About - Desde o início de suas atividades no setor, sua participação na vida associativa foi muito intensa e foi desenvolvida por décadas. Qual foi a razão principal dessa atuação coletiva, que deve ter lhe custado muito tempo de atenção a seus negócios e sua família?

Mendes - Primeiro, por gosto, vocação, vontade de participar, contraponto à minha introspecção. Depois, entendi que a nossa atividade pede essa participação associativa, o que eu recomendo a qualquer jovem empreendedor que se inicie no negócio de Agência.

About - Essa pergunta é inevitável: você faria tudo de novo?

Mendes - A resposta também é inevitável: faria tudo de novo.


Revista About, editada em São Paulo, outubro/novembro 2010, nº 908.
Oswaldo Mendes é diretor da Mendes Comunicação.