Quando se reduz qualquer prognóstico otimista da reunião Rio
Mais Vinte, desaparece um dos maiores propugnadores de uma economia menos
desigual. Refiro-me ao professor Armando Dias Mendes, falecido na última sexta-feira,
em Brasília.
Desde a obra que o revelou como intelectual preocupado com
os destinos da Amazônia que lhe serviu de berço, Armando Mendes percorreu
trajetória que o torna um dos nomes referenciais na compreensão da realidade da
região.
Pouco foi meu contato com ele, quando eu ainda vivia no
Pará, terra que nos deu chão, do nascimento até certa altura de nossa adultez.
Cada qual a seu tempo.
Universitário ainda, sabia da presença na diretoria da
Faculdade de Ciências Econômicas da UFPA, do autor de Viabilidade econômica da Amazônia e, depois, de A invenção da Amazônia. Sabia-o, também,
destacado líder católico e político de carreira fugaz. Não era nas tribunas
parlamentares que Armando poderia desenvolver sua curiosidade por compreender a
Amazônia, nem alcançar a formulação de propostas que a fizessem superar as
dificuldades políticas, sociais e econômicas que marcam a região.
Seguindo caminhos diversos, ele e eu, em 1974 e 1966,
respectivamente, buscamos outros espaços onde a sobrevivência pessoal e
familiar e o compromisso com a luta social encontrassem campo propício.
Vim bater em Manaus, oito anos antes que Armando se
transferisse para Brasília. Um aparente plágio de sua obra A invenção da Amazônia inaugurou amizade superior a qualquer
divergência política ou religiosa. Pediu-me ele, quando do lançamento de livro
com o mesmo título do seu, que lhe enviasse um exemplar. Solicitava, ainda, que
eu conversasse com a autora, minha colega na UFAM (Neide Gondim), para
esclarecer o suposto plágio. As explicações da autora, uma intérprete da
Amazônia como criação literária, logo foram compreendidas por Armando. Ele,
então, estabeleceu uma pena: o autógrafo de Neide. O livro lhe foi enviado, e
ele se deu por satisfeito.
Mais tarde, na qualidade de ex-presidente do Banco da
Amazônia, ele foi chamado a coordenar a edição de obra comemorativa dos
sessenta anos do estabelecimento. A então Fundação Djalma Batista – FDB (hoje
chamada Fundação Amazônica de Defesa da Biosfera – FDB) foi escolhida para
tornar realidade o projeto que o ex-presidente persuadira o banco a editar.
Os meses que passamos, Armando e eu, a articular com os
redatores dos diversos textos, contatar com as instâncias do BASA, os editores
e demais pessoas envolvidas no projeto, serviram-me à certeza de estar diante
de raro exemplar da espécie humana. Quase vinte anos mais novo que ele, jamais
senti a imposição de uma só idéia ou sugestão. Buscava imitar-lhe, porém, o
entusiasmo nem sempre fácil de captar, o compromisso com o desvendamento da
realidade regional, o rigor científico exigível em trabalho de tamanha
envergadura.
Vários foram os resultados desse trabalho cooperativo, nos
planos institucional, intelectual e pessoal. Se, por um lado, o Banco da
Amazônia conseguia oferecer uma obra destinada a servir de referência aos que
buscam conhecer a região em que atua, os autores dos textos puderam sentir o
reconhecimento de seu esforço em concorrer para a interpretação da própria
história da Amazônia. Do ponto de vista pessoal, posso dizer que a aproximação
com Armando despertou em mim o interesse por assuntos que só episodicamente
atraiam minha atenção. Dentre eles, o das relações economia-ambiente. Mais que
isso, do aproveitamento das potencialidades que a região oferece, superados os
valores coloniais que explicam a submissão e a exploração costumeiras.
A casa e suas raízes
(CEJUP, Belém, PA, 1996), nesse sentido, foi pioneira. Ali estão propostas que,
hoje largamente utilizadas como slogans, antecipam os cuidados com o Planeta, a
casa de todos nós.
Já no seu Amazônia
modos de (o)usar (Valer, Manaus, AM, 2001), Armando Mendes chama a atenção
para os potenciais amazônicos ainda por explorar, e sugere como fazê-lo.
Mais poderia ser dito sobre o homem que desapareceu no
último 15 de junho de 2012. Nada, porém, mais exato que constatar o
empobrecimento intelectual desta vasta região, tão necessitada de estudiosos e
políticos (porque Armando, mesmo sem mandato, nunca deixou de sê-lo) que
busquem para ela o que todos afirmam ser o seu destino.
Vai-se Armando Dias Mendes, mas permanece conosco a mensagem
por ele deixada.